Depois da morte de uma colega, um estudante fez a 4ª melhor universidade do Brasil discutir machismo

Marcelo juntou mais de 10 mil por Louise. Conheça a história da mobilização que fez a Universidade de Brasília levar a sério o problema da violência contra as mulheres

à esquerda, louise ribeiro, assassinada por um colega porque ela não queria 'reatar' um relacionamento; à direita, protesto contra o machismo

à esquerda, louise ribeiro, assassinada por um colega porque ela não queria 'reatar' um relacionamento; à direita, protesto contra o machismo

Foi a partir de uma notícia trágica de violência contra a mulher que começou uma história de mobilização social e reflexão para os estudantes da Universidade de Brasília (UnB). A tradicional universidade, com mais de 27 mil alunos, ainda vive as cicatrizes do episódio ocorrido em março – o assassinato de Louise Ribeiro, aluna de biologia, perpetrado por um colega de curso.

Em meio à inquietude de professores e colegas, o estudante de Letras Marcelo Holanda, de 26 anos, via o desenrolar do caso com tristeza e preocupação. Em uma aula de literatura, a professora abriu espaço para os estudantes discutirem como se sentiam diante do episódio.

O estudante de letras, marcelo holanda

O estudante de letras, marcelo holanda

Falou-se sobre como o machismo tira a vida de milhares de mulheres todos os dias e, ali, Marcelo se emocionou. Depois da aula, ele teve o estalo que o levou a liderar uma grande mobilização online, que hoje conta com mais de 10 mil assinaturas.

"Em um dado momento [da aula], pedi a palavra, e me emocionei. Chorei, e ouvi vários relatos de mulheres que sentem medo, medo por serem mulheres, por estudarem numa universidade onde é possível acontecerem assédios, estupros, e agora, feminicídio. Depois daquele dia, pensei no abaixo-assinado como uma forma de ecoar aquela angústia", conta Marcelo, que é advogado e está na sua segunda graduação.

A proposta da mobilização de Marcelo é simples: que a UnB realize um ciclo de palestras para discutir como prevenir e evitar que casos como o de Louise se repitam. "O Brasil tem a Lei Maria da Penha, tem uma legislação entre as mais modernas do mundo quando se fala em proteção das mulheres. Mas a lei não é suficiente para coibir essas atitudes que matam mulheres", comenta Marcelo.

Se a lei não é o bastante, como elevar a conscientização sobre a questão dentro da universidade? Estudantes fizeram atos em memória a Louise, a reitoria cogitou reforçar a segurança e a iluminação dentro da UnB, mas o debate para enfrentar o feminicídio, que começa quando os homens sentem-se no direito de assediar, humilhar e praticar violência contra mulheres com a certeza da impunidade, ainda exigia uma resposta.

A resposta surgiu para Marcelo com o apoio de um grupo de 8 voluntárias e voluntários – que inclui pessoas de áreas variadas, como psicologia, saúde pública e comunicação. Com ajuda do Instituto de Letras da UnB, Marcelo e o grupo realizaram na última quinta-feira, dia 25 de agosto, um grande debate com o tema "Violência de Gênero e Feminicídio". Para Marcelo, este pode ser o pontapé para discutir seriamente como a comunidade universitária pode prevenir o machismo e a violência contra a mulher.

Estudantes fazem ato contra a violência no teatro de arena da UnB

Estudantes fazem ato contra a violência no teatro de arena da UnB


"Não vamos deixar que a morte de Louise seja 'mais uma'"

Veja abaixo os principais trechos da entrevista que Marcelo concedeu à Change.org:

Como surgiu a ideia de fazer o abaixo-assinado?

Tudo surgiu após eu ter lido notícias sobre a morte de Louise Ribeiro pelas redes sociais. Cheguei a compartilhar a dor com amigas e amigos e levar a discussão do feminicídio para colegas de profissão. Depois disso, minha professora de Literatura Espanhola, Anna More, cedeu o espaço de aula no dia 15 de março para falarmos sobre o assassinato, que aconteceu em nosso campus.

Num dado momento, pedi a palavra, e me emocionei. E chorei, e ouvi vários relatos de mulheres que sentem medo, medo por serem mulheres, estudarem numa universidade que sofre com assédios, estupros, e, agora, feminicídio. Depois daquele dia, pensei no abaixo-assinado como uma forma de ecoar aquela angústia. Como já participei assinando algumas petições criadas na Change.org, resolvi criá-lo com o que dispunha: não deixar que a morte de Louise fosse "mais uma".

E os alunos da UnB têm participado? Você acha que repercutiu?

Posso dizer que, dentre meus colegas de curso, o assunto tem tido notoriedade. Também tenho acompanhado ações fragmentadas na UnB para discutir o assunto e várias e vários alunas e alunos já se uniram tanto para homenagear Louise quanto para debater, em seus meios, o tema do feminicídio.

E os professores, estão atuantes contra o feminicídio? Como reagiram à campanha?

Sim! Há na UnB um Núcleo de Pesquisa sobre Mulheres, que conta com notáveis docentes, como a professora Lourdes Bandeira, e outras do Departamento de Sociologia (SOL-UnB). Elas atuam fortemente discutindo a violência contra mulher e obviamente o feminicídio. Não tenho conhecimento se as professoras deste departamento souberam da petição, em que pese elas tenham agido para tratar do caso de Louise (a UnB é enorme!). Penso que circulou entre elas, assim como para @s demais professor@s.

convite do ciclo de palestras que ocorre na unb sobre feminicídio 

convite do ciclo de palestras que ocorre na unb sobre feminicídio 

Vocês conseguiram realizar o ciclo de debates sobre violência de gênero e feminicídio na UnB pedido pela petição, correto? Como foi planejado?

O debate é uma vitória, ele foi pensado a partir de um grupo de voluntários. Depois que a gente entregou o abaixo-assinado para a reitoria da UnB, me reuni com duas amigas e elas sugeriram algumas pessoas para formar esta equipe. Temos 8 pessoas ajudando, sendo 3 delas comunicadores e os demais cada um com sua expertise - eu na área do direito, um colega, o Danilo, na área de saúde coletiva, outra colega, a Aline, na área de psicologia e assim por diante. A partir de reuniões a gente programou tudo - desde os palestrantes, até os painéis e a duração das falas. São 5 pessoas que terão fala.

Tivemos o apoio do Instituto de Letras da UnB e do Departamento de Teoria Literária e Literatura - eles cederam o auditório, nos incentivaram e isso foi positivo. Fizemos uma parceria com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Distrito Federal para a emissão de certificados aos participantes. A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/DF, inclusive, é uma das palestrantes. Tod@s estão convidad@s a assistir o debate, que acontece dia 25 de agosto, às 10h da manhã no auditório do Instituto de Letras.

E vocês imaginavam um público tão grande interessado no debate?

Eu não imaginava que a divulgação do evento chegasse a essa quantidade de pessoas. O pessoal da comunicação do grupo de voluntários fez um trabalho muito bom, acredito que vai ter muita participação, para além do virtual. O Brasil tem a Lei Maria da Penha, tem uma legislação entre as mais modernas do mundo quando se fala em proteção das mulheres. Mas a lei não é suficiente para coibir estas atitudes que matam mulheres, como o caso do feminicídio [da Louise].

O que a direção da UnB poderia fazer para contribuir com a mudança de mentalidade quanto ao machismo?

A criação de uma agenda onde o tema violência de gênero e feminicídio sejam discutidos. Pelo que eu vi, a UnB tem um projeto para debater isso com alunos calouros quando começam estudando aqui, mas acho que o debate tem que ser reforçado não só para quem entra, mas para todos. os professores deveriam, por exemplo, ter liberdade e tempo para tratar deste tema em suas aulas.

A inspiração do abaixo-assinado aconteceu porque uma professora de literatura (que está nos ajudando com a logística) deixou a aula disponível para os alunos manifestarem o que estavam sentindo. Essa união é importante, todo mundo agindo junto. É um trabalho de formiguinha - a reitoria tem que atuar de um lado, professores de outro, alunos de outro, e mobilizações como a que eu criei na Change.org abrem espaço para podermos colocar estas ideias.

Humanizar mais as aulas é um caminho?

Sim. Sairão da UnB mulheres e homens com capacidades para desempenhar cargos em qualquer área - se eles tiverem uma formação mais humana, eles conseguirão deter problemas maiores e tornar o espaço nacional mais igualitário, mais respeitoso, e atingir um outro patamar de respeito à vida das mulheres.

Enquanto não percebermos que essa questão do gênero influencia todos os aspectos da vida, enquanto essa matriz que coloca o machismo como dono de tudo e de todos, que mata mulheres e mata quem foge esse padrão do "macho", a gente não vai conseguir avançar em muita coisa.

O ciclo de palestras vai no sentido de estimular esse debate humanizante. Eu acho muito importante que essa ideia se espalhe, e eu soube que um Núcleo de Estudos de Gênero e do Feminismo em uma universidade federal em Pernambuco, se não me engano, divulgou o vídeo da convocação para a palestra. Seria fundamental expandir estes debates para o nível nacional.